Pessoal, olha
que bacana esse texto feito por alunas do Mestrado de Letras da Unincor, a respeito do nosso querido Sr. Vitor Cunha. De fato ele é uma
"figura-monumento" da cidade de Três Corações, pela sua cultura e
pelo amor que tem a essa cidade. Parabéns ao Sr. Vitor Cunha e à cidade que tem
tão devotado filho.
Pe. Daniel Menezes Fernandes - Pároco da Matriz Sagrada Família
VICTOR
CUNHA: TESTEMUNHA DE UMA TRÊS CORAÇÕES IMAGINADA
Simone
Pereira de Souza Ferreira – simone80.ferreira@yahoo.com.br
Geysa
Silva – geysasilva@terra.com.br
Nosso
trabalho apresenta a figura de Victor Cunha e uma análise simplificada de
algumas de suas composições, tendo como base teórica a obra do russo Mikail
Bakhtin, denominada Estética da criação verbal, no que se refere à lingüística
e a obra do francês Edgar Morin, no que se refere à crítica literária.
Começaremos, então, com uma breve notícia sobre a vida do autor, para que os
leitores/ouvintes possam conhecer um poeta atual, do interior do sul de Minas.
Victor
Cunha, compositor e cronista, nasceu em 15 de setembro de 1929, na cidade de
Três Corações. Cursou o antigo primário, no colégio Bueno Brandão e formou-se
em técnico de contabilidade em 1948, na cidade de Alfenas. Lecionou no Colégio
Pio XII e no Colégio Sion. Mais tarde ingressou no serviço público, através de
concurso realizado pelo antigo Dasp. Exerceu o cargo de tesoureiro, sendo
transferido para o INSS, em São Lourenço , MG. Regressou a Três Corações em
1962. Aposentou-se como fiscal, em 1982.
Desde
cedo interessou-se por música e ganhou seu primeiro violão em 1941. Essa paixão
pela música fez com que se ligasse às atividades artístico-culturais da cidade.
Assim, tornou-se presidente do Clube Três Corações, nos anos de 1979/1980 -
81/82 - 85/86 – 87/88; foi também presidente do Conselho de Turismo do mesmo
clube, presidente do Atlético (1964 a 1966) e um dos proprietários da Rádio
Tropical, de 1979 a 2002.
Em 1951,
fundou o conjunto Velha Guarda, em parceria com o sargento Cleber Cunha e com
Luiz Scalioni Pereira. O conjunto apresentava-se na cidade, animando festas e
reuniões, mas também em Belo Horizonte, em outras cidades da região, em
Brasília e em São Paulo. Seu aparecimento mais notável foi na TV - Globo, do
Rio de Janeiro, em 1971, no programa Alô – Brasil, Aquele Abraço.
Em 2001,
Victor Cunha fundou outro conjunto, chamado Chorando Baixinho, composto por ele
mesmo (violão), Ronildo Prudente (pandeiro), Leonardo Chalana (cavaquinho),
Lívia Alves (flauta) e a cantora Annibelle. Especializaram-se em chorinho e
canto e focalizaram compositores brasileiros de diversas épocas, indo dos mais
antigos até Chico Buarque e Caetano Veloso.
Entre
suas composições estão: Saudade, um hino de amor à cidade natal, Três Corações.
SAUDADE...
- TEMA DE TC
Autor:
Victor Cunha – Composição
Quantas
saudades de tudo que o tempo levou
Daqueles
dias felizes que a vida marcou.
Das
serenatas saudosas nas noites de lua
Do Rio
Verde a passar, espelhando o luar...
Do Bom
Senhor na Matriz, do meu Grupo, da Praça
Dos
seriados famosos que não voltam jamais.
Tudo
ficou na lembrança, de uma cidade criança
Que os
anos levaram sem volta
Sem
nenhuma esperança.
Dos
Carnavais, que saudade!
Dos
Blocos no Clube
Dos
Ranchos e Blocos de Rua, na Avenida a bailar
Da Velha
Guarda querida em perfeita harmonia
Nos
Balalaikas da vida, como a vida sorria...
Disse
Cartola num samba que As Rosas não falam
Mas para
mim, simplesmente, as rosas não ouvem
Elas
falando e ouvindo, se me escutassem chorar
Pediriam
a Deus lá no Céu
Para o
tempo voltar.
Este
conhecido tricordiano fala, através de suas canções, do amor e da saudade que
sente por sua terra. A estrutura dos versos revela que a base material do
discurso poético é um conjunto de signos que remetem ao vocabulário
freqüentemente usado pelos românticos.
Victor
Cunha vale-se de uma retórica comum ao final do século XIX para expressar o
sentimento de um passado edênico, perdido no tempo da recordação. O enunciador
tem a forma indeterminada, uma vez que o sujeito sintático não se identifica, o
que leva à mistura de funções diferentes: ele é quem fala, quem sabe o que se
passou e ainda realiza um sincretismo com possíveis leitores. De acordo com
Paulo Eduardo Lopes (1994), podemos dizer que temos, nos versos acima, no nível
do enunciado, um informador que define o passado como sinônimo de tempo feliz.
Entretanto essa não é uma posição individual e, sim, aquela adotada por
diversas pessoas antigas da comunidade.
Nesse
discurso ecoam outras vozes, pois todo discurso é dialógico e deixa entrever
outros que lhe são subjacentes, conforme afirmações de Bakhtin. O enunciado
está repleto de ecos e lembranças de outros enunciados, aos quais está
vinculado no interior de uma esfera comum da comunicação verbal. O enunciado
deve ser considerado acima de tudo como uma resposta a enunciados anteriores
dentro de uma dada esfera (a palavra “resposta” é empregada aqui no sentido
lato): refuta-os, confirma-os, completa-os, baseia-se neles, supõe-nos
conhecidos e, de um modo ou de outro, conta com eles (Bakhtin, 1992, p. 316).
Saudade é
também o título de seu livro, em que recorda a Três Corações pacata, porém com
muitas histórias interessantes. A reiteração do lexema saudade mostra a
obsessão do autor, demonstrada na escolha do estilo literário. Nada de versos
brancos, nem de ausência de rimas. Temos um discurso que supõe a concordância
de outros que já vivenciaram as mesmas experiências do poeta.
Essa
identificação se estende aos elementos da natureza, pois até as rosas “pediriam
a Deus lá no céu/ para o tempo voltar”. Ainda é Bakhin quem nos diz: Minha
emoção só adquirirá ressonância lírica na medida em que eu não me sentir
solitariamente responsável por ela, mas em que me sentir
solidário
com os valores do outro em mim, em que sentir minha passividade no possível
coro dos outros, um coro que me terá rodeado de todos os lados e que parece
proteger-me contra o pré-dado imediato e premente do acontecimento existencial
(Bakhtin, 1992, p. 184).
Esses
outros são o coro que se harmoniza com o que digo. As inúmeras referências a fatos,
construções, organizações (“Balalaikas”, “Velha Guarda”, “Monsenhor da Matriz”
etc.), que são do conhecimento apenas de quem conhece ou conheceu Três
Corações, mostram a inclusão do autor num coro formado por conterrâneos, coro
em que ele se coloca como herói privilegiado por conseguir cantar uma
melancolia que é de muitos outros.
Em 2006,
lançou seu segundo livro, chamado Três Corações... ontem, Três Corações...
hoje, Um pouco de sua história, onde se encontram as biografias de todos os
agentes executivos, interventores e prefeitos nomeados até o fim da ditadura de
Getúlio Vargas (1945). É um livro de referência que se presta à consulta de
estudiosos da história local, sem objetivos literários. Outra composição é
dedicada à escola Bueno Brandão, intitulada Escola Estadual Bueno Brandão.
E. E.
BUENO BRANDÃO
Autor:
Victor Cunha – Composição
Muitos
anos de ensino Primário
Nosso
Grupo foi sempre o primeiro
Na
vanguarda do mundo infantil
Educando
com amor verdadeiro
Os seus
mestres se orgulham de ti
És o
berço das grandes lições
Hoje,
Escola Bueno Brandão
És o
orgulho de Três Corações
És
majestosa, e imponente
Cheia de
vida e tradição
Teus
alunos te amam contentes
Nossa
Escola Bueno Brandão
Teus
alunos te amam contentes
Nossa
Escola Bueno Brandão
Essa
composição homenageia a Escola Bueno Brandão, que é uma das mais antigas da
cidade. Lugar que representa, para ele e para os habitantes de Três Corações, o
orgulho e a tradição do ensino tricordiano. Impossível compreendê-la sem nos
determos na história, mesmo que sucinta, dessa instituição. Nas palavras de
Edgar Morin: É verdade que a história esqueceu, durante certo tempo, o
acontecimento, o fato, considerando que ele não passava da superfície das
coisas, mas hoje ela o reintroduz. Em suma a história é a ciência que situa no
tempo tudo o que é humano. É na história que nós existimos. Não podemos nos
compreender fora da história, pois o próprio historiador é historicizado
(Morin, 2002, p. 357).
Bueno
Brandão, é um nome em homenagem feita ao Presidente do Estado de Minas Gerais,
Julio Bueno Brandão. A arquitetura desse prédio guarda as características
originais, um estilo eclético, em que o neoclássico se mescla com o art
nouveau, numa mistura repetida em alguns prédios mais antigos da cidade. Em seu
interior destacam-se coloridos azulejos de banheiros que lembram a decoração
dos hotéis situados no chamado circuito das águas. Juntamente com a Matriz da
Sagrada Família, integra as construções que se destacam na arquitetura local e
delimita a praça em que está situado, praça que é a principal de Três Corações.
As
estratégias de constituição do discurso dessa composição obedecem praticamente
aos mesmos processos da poesia anterior: rimas pobres (lições/corações;
primeiro/verdadeiro, etc.); aliterações (primário/primeiro) e os versos finais
atuando como estribilho. Tudo nos leva às composições do passado, como se não
tivesse havido modernismo, nem discussão sobre novas formas de fazer poesia.
Contudo
não se quer apenas explicitar as características da composição como obra
literária. Estamos diante de enunciados que se conformam a um determinado gênero
de discurso, no caso um discurso que se aproxima da forma romântica, em que
podem ser detectados rastros de Casimiro de Abreu, no que diz respeito à
infância, a um espaço-tempo irrecuperável. Evidente que nenhum autor escreve
pela primeira vez sobre qualquer tema. Seu objeto de discurso já foi
apresentado e discutido por outros. Então o discurso é o lugar onde vozes
diferentes se encontram e se distanciam.
O locutor
não é um Adão, e por isso o objeto de seu discurso se torna, inevitavelmente, o
ponto onde se encontram as opiniões de interlocutores imediatos (numa conversa
ou numa discussão acerca de qualquer acontecimento da vida cotidiana) ou então
as visões do mundo, as tendências, as teorias, etc. (na esfera da comunicação
cultural). A visão domundo, a tendência, o ponto de vista, a opinião têm sempre
sua expressão verbal (Bakhtin, 19992, p. 319-320).
Na
dialogicidade, o poeta exibe, portanto, um texto cujo objeto é o reflexo
subjetivo (o que o poeta pensa e sente) de um aspecto objetivo do real (aspectos
de Três Corações). Três Corações é, para Victor Cunha, o ponto de partida de
suas composições; a cidade é o signo desencadeador das formas concretas de seu
discurso, cujas relações de sentido são de natureza factual (a Velha Guarda, a
Balalaika, a escola estadual Brandão Bueno, etc.). Há uma vontade de registrar
esses elementos, poupá-los da ação do tempo, para que os próximos tomem
conhecimento do que existiu. No fundo dessas atitudes, está o medo do
esquecimento, que é na verdade o medo da morte.
A
evolução de um sistema no tempo não é uma sucessão de transições entre
elementos estáticos, mas sim ataques de níveis sucessivos de complexidade ou,
ao contrário, de desorganização.
Até
agora, as ações empreendidas permaneciam causalistas: agia-se sobre um
parâmetro e mediam-se os resultados. Na sistêmica moderna age-se sobre vários
parâmetros ao mesmo tempo (Morin, 2002, p.496).
Victor
Cunha é uma figura-monumento da cidade. Seu dinamismo se faz notar nos eventos
que organiza, quando apresenta espetáculos sobre compositores brasileiros. Sua
generosidade se manifesta ao colocar à disposição dos alunos o vasto material
de que dispõe para realização das pesquisas. Sem ele, não seria possível esse
trabalho.
REFERÊNCIAS
BAKHTIN,
Mikhail. Estética da criação verbal. Trad. Maria Ermantina
G. G.
Pereira. São Paulo: Martins Fontes, 1992.
CUNHA,
Victor. CD-Saudade. Três Corações: Gravadora Tom Maior, 1999.
CUNHA,
Victor. Saudade. Três Corações: Gráfica Veritas, 1999.
MORIN,
Edgar. A religação dos saberes. O desafio do século XXI.
Trad. Flávia Nascimento. Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil, 2002.